quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018

Propagação normal e atípica de rádio AM / FM / VHF — TEP Transmissão Transequatorial

Na coluna deste mês nós vamos abordar de forma técnica um tema que tem aparecido com frequência nas matérias do Tudo Rádio.com e também nos relatos de visitantes. A tal "propagação de rádio", situação que faz, por exemplo, uma rádio paulista ser sintonizada em território gaúcho. Boa leitura!

PROPAGAÇÃO NORMAL

No que se refere à propagação, em nosso caso, dividiremos em duas faixas ou bandas: Ondas médias (MW) e FM e TV na faixa de VHF.

Ondas Médias (MW) - Faixa de Frequências situada entre 530 e 1600 khz para as emisssoras comerciais. Apresenta duas características bem distintas em termos de propagação de ondas de rádio como sendo: Propagação Diurna e Propagação Noturna. A propagação diurna é caracterizada pelas ondas terrestres ou "ground waves" onde o terreno apresenta influência marcante na condução das mesmas (condutividade elétrica, presença de minerais metálicos etc.) podendo haver casos de recepção de até 500 km em casos especiais  e utilizando uma pequena antena LOOP com enrolamento de +/- 25 metros e um capacitor variável de rádio velho com capacitância máxima em torno de 400 pF. Para os novatos não se assustem com os termos com o tempo vamos acostumando...

Durante a noite as ondas celestes ou "sky waves" entram em ação fazendo com que os sinais alcancem milhares de quilômetros com um rádio mais sensível e sem muito aparato eletrônico. Estados como RJ, SP, RS e países como Argentina, Bolívia, região do Caribe e até Europa podem ser escutados com apenas um pouco de paciência e insônia para varar noite adentro! Essas ondas celestes "aparecem" a partir do momento em que as camadas altas da Ionosfera eletrizadas pelo bombardeamento solar refletem os sinais que incidem na mesma de volta à Terra, impedindo que os mesmos percam-se no espaço interestelar. A Ionosfera é composta basicamento de 5 camadas que variam em altura e densidade como seguem: "D" em torno de 60 km de altitude durante o dia, alto poder de absorção das ondas de MW havendo perdas totais dos sinais incidentes; camada"E", 100 a 120 km de altitude, e" F" de 200 a 300 km acima da superfície terrestre, com ionização sempre crescente com a altitude. Durante à noite, a camada D deixa de existir e a camada F, formada de F1 e F2, funde-se em uma única camada próximo de 300 km de altitude. Portanto, fica fácil de entender porque a recepção de AM melhora muito mais à noite e em lugares mais distantes, pois a camada de absorção deixa de existir com o pôr do sol. As figuras abaixo mostram um esquema da ionosfera com as suas camadas e frequências críticas, observe que as frequências acima de 100 Mhz não são refletidas, ultrapassando a faixa ionizada e perdendo-se pelo espaço interestelar.


fig1. A Ionosfera e suas camadas com as frequências críticas(University of Wisconsin-Madison).



fig 2. Esquema mostrando o comportamento da ionosfera durante o dia(esquerda) e a noite( direita) com suas respectivas camadas ionizadas.


FM e TV : Enquanto a faixa de ondas médias pode garantir a recepção de emissoras distantes com certo grau de confiança, o mesmo não acontece com a faixa de FM e TV. Em condições normais, os sinais de VHF não vão além de 150 ou 200 km pela propagação "linha de vista", visto que a ionosfera "não" reflete seus sinais. Deste modo as antenas de TV e FM estão situadas nos locais mais altos. Torres elevadas no alto de montanhas são locais comuns para colocarem seus transmissores.

Entretanto, em situações especiais, a atmosfera (ionosfera) poderá refletir os sinais de VHF tornando possível a recepção a longas distâncias. Os principais fenômenos envolvidos são os Ductos troposféricos e reflexão ionosférica como em MW na chamada camada E- esporádica. Como o nome sugere, essa forma de propagação é esporádica, porém forte e, quando acontece, estações de áreas limitadas geograficamente (1200-1300 km) rapidamente aparecerão em som claro e stereo e, em alguns casos, interferindo em estações locais. Geralmente, é iniciado nos canais baixos de TV (canal 2 e 4) aumentando de frequência até a faixa de emissoras de FM comerciais, como se fossem emissoras de AM ou ondas curtas.


PROPAGAÇÃO ATÍPICA(VHF; FM e TV e ondas médias)

Quando as condições normais da atmosfera mudam de maneira a permitir a recepção de emissoras de rádio ou TV a distâncias muito além daquelas usuais ou comuns, temos a propagação atípica e o DX. Os canais inferiores de VHF (canais 2 até 6) são mais susceptíveis à "interferência" esporádica de estações distantes. Na faixa de VHF (30-300 Mhz) existem diversos tipos de propagação anormal. Aqui, analisaremos os mais comuns e possíveis para o nosso grande Brasil e que tenho alguma experiência. São eles: REFLEXÃO NA CAMADA "E" ESPORÁDICA, TROPOREFRAÇÃO, REFLEXÃO POR METEOROS . Outros ainda como Backscatter, Reflexão em F2, Auroras (regiões polares), Propagação Transequatorial, Reflexão por descargas elétricas existem.


E- ESPORÁDICA- 

Tipo de Propagação que influencia primeiramente os canais baixos até uma frequência denominada MUF (maximum usable frequency ou "frequência máxima disponível" para comunicação. As características são peculiares e complexas, uma vez que as condições podem se iniciar no canal 2 de TV e estacionar ou continuar até acima do canal 6. A faixa de FM vem logo acima do canal 6. Por isso, de olho na TV! Condições excepcionais podem acontecer até a faixa de aviação, indo até a faixa de radioamadores (144Mhz!). Para cada frequência, existe uma distância mínima para reflexão, sendo que as pesquisas mostram que a partir de 1200 km já pode haver reflexão e que de 2000-2500 km é mais comum durante o dia. Isso acontece quando áreas da camada E ficam ionizadas. Esta camada normalmente afeta a faixa de ondas curtas e AM, mas é "transparente" aos sinais de VHF (fig1). A causa real da ionização ainda é estudada e algumas hipóteses a relacionam com tempestades e radiação solar(bombardeamento energético do sol), sendo que essas áreas ionizadas geralmente situam-se no ponto médio entre transmissor e receptor e possuem movimentos próprios; mudam-se as emissoras de acordo com a região por onde passam (é como se fossem "nuvens ionizadas" se deslocando a mais ou menos 100 km de altitude). A previsão de E-Esporádica ainda é difícil. É mais comum no verão com picos em junho-julho no hemisfério norte e dezembro-janeiro no nosso hemisfério, raramente indo além da meia-noite pois a ionização tende a diminuir e a MUF também. Sempre é bom dar uma olhadela na TV próximo ao meio-dia e à tarde. Se tiver "algo estranho" nos seus canais inferiores, pode ser TV de fora. Corra pro radinho de FM e Confira!


REFRAÇÃO TROPOSFÉRICA

É outra forma importante de propagação. Como o nome sugere, esta depende das condições da troposfera, ou seja, condições meteorológicas. Diferente da propagação por E-esporádica, esta influencia frequências mais altas, via de regra é ótima para UHF, muito bom em VHF e mais fraca na banda inferior de VHF (de 30 a 50 Mhz).

Troporefração ocorre quando há inversões de temperatura, ou seja, ar quente (leve) e seco sobre ar frio (mais pesado) e úmido. Essas condições estão associadas com tempo calmo ou estável e geralmente ligadas a passagem de frentes frias onde temos uma área de alta pressão anterior à frente. Grandes distâncias são possíveis, até 3000 km em UHF e VHF. O fenômeno é mais ou menos o seguinte: O sinal eletromagnético, ao atingir camadas com diferentes densidades, sofre um desvio ou refração fazendo com que volte à superfície da Terra impedindo de perder-se no espaço. Desse modo, desloca-se a grandes distâncias. Às vezes, em dias de calor, ao viajarmos de carro, pensamos ver água no asfalto distante, o que nada mais é do que o céu. Isso mesmo! A luz, vinda de cima, ao atingir a superfície aquecida do asfalto, bem mais quente que o ar acima, sofre um desvio até os nossos olhos e nos fornece uma ilusão de ótica. Um lápis dentro de um copo d'água faz o mesmo efeito "entortando" ao colocarmos o copo na frente dos olhos. Nada mais do que refração da luz. No rádio é a mesma coisa. Como as ondas são eletromagnéticas (velocidade da luz), sofrem o mesmo efeito exemplificado acima. Repito que é necessário que uma camada de ar quente esteja por sobre outra de ar frio, de modo que haja uma diferenciação clara ou estratificação chamada pelos técnicos para que ocorra a propagação. Este fenômeno é mais comum no Brasil, no litoral do Rio Grande do Sul até a Bahia, onde as frentes passam com frequência e potencialmente na Amazônia (alta umidade).

Os sinais de rádio/TV sofrem um desvio ao passarem da camada mais densa e úmida (pontilhada) para a camada menos densa e seca acima. O sinal III como apresenta um ângulo mais baixo de incidência é refratado de volta à Terra, indo atingir regiões distantes do transmissor.



Diórgenes Lopes